Conto - Transformação


Transformação       

Não importava o que falavam naquela sala, ela não se mexeria. Parada ao lado da mulher loira, feito cão de guarda, aliás, sua função era praticamente a mesma, até a coleira no pescoço indicava aquele posto. O que entrava por um ouvido, saia pelo outro. Não falava. Ficava parada, como uma estátua, como um robô. Sua vida era sempre a mesma, andar ao lado daquela que se dizia sua dona, fazer o que mandavam sem questionar. Comia o que lhe davam, dormia onde tinha que dormir.


            Gabriela puxava-a pela coleira, levando-a ao lado do seu trono de majestade. A loira sentava-se ali, no auge da demonstração do seu poder, com um sorriso de desdém naquele rosto perfeito. Era sedutora, poderosa, perfeita, rica, comandava todo o lugar, quem iria ter a ousadia de lhe trair?

            Era quase que um dia comum pelo reino, os súditos caminhando em direção à rainha, pedindo perdão ou permissão, recebendo toda a crueldade daquele coração de pedra. E Dana ficava ali, no seu posto, rosnando e avançando nos seres inferiores mais ousados, que tentavam se aproximar da sua alteza. Gabriela passou a mão, com os dedos compridos e finos, na cabeça de Dana, acariciando-a, sussurrando um boa garota.

            Os olhos grandes, atentos e negros de Dana sondavam o local, e logo seu faro apurado percebeu que havia alguma coisa diferente naquela sala, em específico. Viu pequenas partículas coloridas, como glitter, voando em círculos, como se dançasse. Gabriela, com os olhos azuis como gelo, decretou que seu cão de guarda, Dana, exterminasse o novo objeto que começava a aparecer no centro iluminado.

            Obediente, Dana correu, com as pernas compridas e finas, com os dedos e as unhas prontas para atacar, com os dentes alvos à mostra, rosnando, com os pelos da nuca arrepiados. Foi então que tudo aconteceu. Uma explosão cósmica de luz colorida inundou a sala, trazendo vida àquele reinado. Aquilo hipnotizou Dana, que chegando perto, tão perto que poderia ter devorado aquele pequeno objeto.

            A loira começou a gritar e a xingar, prevendo que seu reinado tinha os minutos contados. Levantou-se, mostrando toda a sua beleza envolta em um vestido longo azul turqueza. Os cabelos loiros grudavam-lhe no rosto vermelho de raiva e na boca rasgada de ódio. Dana não ouvia mais sua dona, não conseguia parar de olhar para a transformação que dava-se diante de seus olhos espantados.

            De uma matéria líquida rosa, azul, roxa, amarela, nascia uma garota, com um sorriso encantador no rosto oval. Os olhos de um verde vivo e uma voz macia, como se o vento sussurrasse em seu ouvido. Mexia-se, contorcia-se, esticando os braços delicados e as pernas bem torneadas. Eram simplesmente encatador. Sem perceber, Dana era envolvida pelos encantos daquele desconhecido.

            Gabriela começou a sentir-se mais fraca a cada movimento do novo ser presente. Perdia força, perdia poder. Sua pele envelhecia, suas roupas começaram a transformar-se em trapos diante de seus olhos horrorizados. Enquanto Dana sorria, curiosa sobre a nova persona bem à sua frente. Estendeu sua mão para tocá-la... E quando tocou...

            Uma explosão de luz inundou a sala, enquanto no meio, a nova persona jazia, aberta, irradiando felicidade e energia. Dana sentiu que seu pescoço fora libertado da coleira, e de repente sentiu-se livre. O sentimento de liberdade transpirava pelos poros, fazendo-a sorrir e sentir-se bem em muito tempo.

            A nova persona se contorceu e transformou-se em uma bola colorida, que girou e girou até ficar branca, e então explodir, deixando parada ao chão, uma garota. Dana sorriu e aproximou-se, maravilhada com o que tinha acabado de presenciar. Quem é você? Dana pensou, e a estranha respondeu. Eu sou Illy. Estou aqui porque você precisava de mim.

            A outra olhou-a desconfiada, e pensou. Como posso saber se o que fala é verdade? Se não será igual Gabriela? Se não irá me prender? Illy sorriu gentilmente e disse: Pois então, faça seu teste. Dana sorriu maliciosamente. Andou em volta da estranha, sensualmente, sem tirar os olhos do dela. De repente, com uma rapidez enorme, puxou o cabelo da outra, sem dó nem piedade, arranhando-lhe o pescoço com os dentes. Tudo o que Illy fez foi gemer.

            Encostou-se ao corpo da estranha, sentindo seus pelos se arrepiarem. Mordeu o ombro da outra, ouvindo-a gemer de novo. Sorriu. Massageou-lhe o corpo inteiro, enquanto pressionava o joelho entre as coxas da estranha. Sentiu-a gemer e se contorcer em suas mãos, sem tentar dominá-la ou machucá-la de verdade, como estava acostumada.

            Começou a se aprofundar, se viciar naquelas carícias e não percebeu que caía numa teia. Foi bebendo lentamente daquele veneno, e quando atingiu o ponto máximo, sentiu Illy derreter-se em seus braços e inundar-se dentro dela. Algo cósmico, mágico, algo como um tipo de amor que elas ainda não conseguiam definir.

            Os olhos de Dana brilharam, maravilhados com o que tinha acabado de acontecer. Era sua certeza. Sorriu com felicidade, sentindo-se finalmente livre para poder ser, para poder agir, para poder viver. Você vem? Perguntou Illy, estendendo a mão para Dana. Não ficaria aqui nem por mais um segundo. A outra segurou sua mão, sendo transportada para outra dimensão.

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