Um Amor Além da Vida: 24 - Como Se Fosse Uma Nova Vida



Capítulo 24 – Como Se Fosse Uma Nova Vida

A partir daquele momento eu sabia que estava tudo acabado, sem volta. Clarice saiu correndo e eu tinha sobre mim os olhos furiosos da minha mãe. Olhavam-me sem trégua, desaprovando minhas atitudes, com certa mágoa, dor, diria até um ódio contido. Minha mãe começou a gritar comigo, dizer que eu não prestava, que ela não podia acreditar no que eu tinha me transformado, no que ela me transformara...

- Priscila, eu nunca pensei que você traria esse desgosto para mim!

- Mas, mãe, eu... – ela interrompeu-me gritando:

- Calada! Não quero saber! Preste bem atenção no que eu vou te dizer. Não quero uma filha sapata, está me entendendo? Não quero ser motivo de riso pelas ruas, nem em lugar nenhum! Portanto, vou lhe fazer uma única pergunta, dependendo da resposta nunca mais quero te ver, nem que chegue perto de mim ou de sua irmã. Dependendo da resposta, não terei mais filha.

Eu olhava-a cheia de medo no olhar. Eu sabia qual a resposta que ela queria, e apesar de amar muito Clarice, eu não desistiria da minha família e nem de tudo o que eu tinha por ninguém, nem mesmo por ela.

- Isso o que eu vi foi apenas o calor do momento, você não é sapata, e aquela sua amiga que te levou para o mal caminho, não é? – ela perguntou olhando diretamente em meus olhos e eu respondi em um sussurro:

- Sim, eu não sou assim.

- Você gosta de homem, e nunca mais a verá, não é mesmo? – ela voltou a perguntar-me, agora com um sorriso nos lábios.

- Sim mãe, nunca mais a verei. – eu respondi quase sem voz. Ela olhou-me sorrindo e respondeu:

- Muito bem então, limpe essa bagunça e depois desça para jantar. – ela saiu do quarto batendo a porta, havia conseguido o que queria.

Eu caí no chão, sentada e comecei a chorar desesperada. Não era para ter sido dessa maneira, ela jamais poderia descobrir isso. Naquele momento eu odiei a Clarice, mais do que eu já tinha odiado alguém na vida, odiei-a por ser tão feliz, tão de bem com a família, tão prestativa e perfeita. Odiei-a por ser tudo o que eu não era, e por conseguir despertar sentimentos em mim que nunca ninguém despertou. Ela não podia ter feito aquilo! Agora teria que agüentar com as conseqüências. Eu jamais poderia vê-la de novo, minha mãe iria me segurar em casa por quanto tempo ela pudesse, e não deixaria mais Clarice me ver ou falar comigo.

Era uma dor intensa em meu peito, queimando minha alma, machucando meu coração, era como se algo se partisse dentro de mim. Lentamente tirei o anel do dedo e guardei em uma caixinha, se minha mãe o visse em minha mão seria mais motivo para escândalo. Toquei de leve o colar que levava ao pescoço e fechei os olhos, viajando nas lembranças que ele me trazia, no sorriso dela, nos olhos negros e misteriosos, no seu cheiro inebriante, no seu corpo que era minha perdição. Esse colar eu nunca tirei, pois somente eu e ela saberíamos o verdadeiro significado dele.

Depois de limpar a bagunça do quarto, desci para jantar e minha mãe fingiu que nada tinha acontecido, conversou conosco e perguntava sobre a escola de Alice e seus amigos, paqueras, falava da família e não se importava com a minha repentina falta de apetite. Pedi licença e disse que estava cansada, iria deitar.

Subi até meu quarto e caí na cama, chorando, deixando o pensamento vagar pelas minhas lembranças. Alice subiu até o quarto um tempo depois e quando me viu ali, frágil e sensível, abraçou-me deixando chorar junto, confortando-me e dizendo que tudo ficaria bem, tudo ia se ajeitar. Mas eu sabia que não ia.

Passaram-se mais um mês, e todos os esforços de Clarice para me ver foram em vão. As cartas que eu recebia, minha mãe as queimava antes que eu ou Alice pudéssemos pegar. Os telefonemas eram controlados, quando minha mãe percebia de quem era desligava o telefone, mandou trocar o meu celular e eu comecei a fazer a faculdade ali, ela me obrigara a trancar minha facul na outra cidade. Passei dias e noites chorando, morrendo de saudades dos braços da minha amada, de seu cheiro, seu conforto, sua voz, tudo.  Quase entrei em depressão, mas ninguém parecia realmente se importar comigo. Fiz novos amigos e reconquistei os velhos, mas não confiava isso a mais ninguém além de minha irmã, era como se eu estivesse presa em minha própria casa, sozinha.

Nesse tempo escrevi algumas músicas e vários poemas destinados a ela, o travesseiro e a lua eram meus confidentes, só eles sabiam quantas lágrimas derramei por ela. Mas com o tempo, nada acontecia, acabei tendo a confirmação de que nunca mais a veria, então aos poucos, meu amor por ela foi-se transformando em ódio, por ela ser a única que conseguia me enxergar como eu realmente era. Internamente eu criei barreiras para que ninguém mais pudesse entrar, construí máscaras e as alternava dependendo da situação. Quem me visse, poderia achar que eu era a garota fútil, com coração de pedra, a cruel mulher com um coração de gelo, mas era melhor assim. Melhor que achassem isso do que se soubessem quem eu realmente era.

Com o tempo algo inevitável aconteceu: Diego reapareceu em minha vida. Talvez pelo destino, talvez por minha mãe chamá-lo para passar um tempo naquela cidade, ajudando-me. Eu havia me convencido de que não gostava de mulher, me negava a aceitar o que eu era, dizia mil vezes para mim mesma que eu gostava era de homem, ah se eu soubesse que na verdade só estava me enganando...

Ele era um garoto adorável, muito simpático e realmente engraçado. Fazia-me feliz e se esforçava ao máximo para me agradar sempre. Apesar de ser um ano mais novo que eu, era muito inteligente e parecia realmente gostar de mim. Estávamos o tempo todo fazendo teatro e treinando para as peças da escola de teatro, ele era meu parceiro e passava horas comigo ensaiando, além do mais, minha mãe gostava dele, então o mimava e adorava que ele fosse a nossa casa.

Tudo aconteceu em uma tarde numa praça perto da casa de minha mãe. Andávamos de mãos dadas, eu e Diego, conversando sobre nossos velhos tempos e nossas brincadeiras. Sentamos em um dos bancos das praças e estávamos bem perto um do outro. Ele olhou-me diretamente nos olhos e eu senti um arrepio nas costas e na nuca. Sorri e ele me disse em um sussurro:

- Eu só queria tentar chegar perto de você...

- Mas você está perto, ao meu lado. – eu disse sorrindo e ele respondeu com a voz sedutora:

- Eu sei, mas eu não queria ser apenas um simples amigo. Queria tentar... Fazer-te feliz.
Eu derreti com aquelas palavras, meus olhos encheram d’água, eu não podia acreditar. Não tinha ficado com mais ninguém depois de Clarice, e tinha medo de relacionamentos, mas algo em seus olhos me disse que ele estava disposto a tentar. Resolvi dar uma chance a Diego e ver no que ia dar.

- Tudo bem, eu deixo você tentar. – eu disse sorrindo para ele.

Os seus lábios se abriram num lindo sorriso, ele era realmente muito bonito. Seus lábios encostaram-se aos meus, e então o beijo aconteceu. Era doce, meigo, um pouco apimentado e bem intenso. Suas mãos, um pouco mais grossas que a de Clarice, roçaram em meu rosto e em meus cabelos, era tão bom sentir o toque de alguém assim tão perto! De repente eu podia jurar que tinha visto Clarice ali, beijando-me e dizendo que me amava, mas tratei de afastar essa imagem da minha cabeça, eu tinha que esquecê-la a qualquer custo.

Foi então que minha vida deu uma grande virada. Tudo mudou. Tudo o que eu acreditava, tudo o que eu queria e desejava, virou do avesso. As músicas passaram a ser outras, agora a comparação não era mais com duas pessoas de uma série, tão sentimental... Eu não era mais a mesma, não me julgava perfeita o bastante, sentimental o bastante para não desistir. Eu desistira sim, de um amor, de tudo.

Agora eu era comparada á uma cantora de banda: minha história com Diego baseava-se na história da cantora com outro cantor, simples assim. Eu não tinha mais a doçura de antes. Os amigos tinham mudado, minhas conversas haviam mudado. Eu parara de escrever poesias, raramente o fazia, e cantava algumas canções apenas. Tudo o que me lembrava dela, eu tentava esquecer, jogado em um baú fechado a sete chaves. Era como se eu tivesse uma nova vida, e tudo estaria perfeito se não fosse algumas noites sem dormir ao qual eu sabia que meu pensamento teimosamente se lembrava dela, e eu chorava sozinha de madrugada, e só então deixava transparecer a menina por trás da fachada de mulher.

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