Conto - Sóbria


Conto - Sóbria

Aquela era para ser só mais uma festa qualquer, na qual ela se perderia, beberia a noite toda, acordando no outro dia sem se lembrar de nada. Mais uma noite perdida para sua coleção. Parou em frente ao espelho da sala, olhando-se de corpo inteiro, antes de sair. Até que não estava tão mal. Tinha olheiras sob os olhos negros, o cabelo meio despenteado, uma expressão irônica em seu rosto demarcado pelo tempo.

– Para mais uma noite sem saber quem é, está maravilhosa. – um sorriso amargo habitou seus lábios.

Enfrentou o frio da noite, apenas com aquele pano fino enrolado no corpo. Estava tremendo, mas não dava a mínima para isso. A boate em que entrou envolveu-a com o calor habitual, como se desse as boas vindas para o filho que retorna. Direto ao bar. Pegou uma cerveja e começou a tomar, encostando-se em um canto.

Todos a evitavam, não queriam ficar perto dela. Somente os amigos que também bebiam dez garrafas por hora, e isso era só o começo. Sua risada ressoava alta, junto com a dos amigos, mas ela nem sabia o porquê do riso. Apenas ria. De repente, todos na roda começaram a gritar eufóricos:

– Vira, vira, vira! – ela virou.

Colocou o copinho de volta na mesa, enquanto o líquido descia queimando a garganta. Todos batiam palmas, gritavam e riam, mas o riso dela morreu na garganta. Quando seus olhos se encontraram com as íris azuis frias como gelo, ela engoliu em seco. Não havia mais as palavras de reprovação, das quais ela sempre riu. Era somente um olhar de... Pena. Tristeza. Quando se olha algo muito triste, mas não se pode fazer nada para ajudar.

A outra baixou os olhos e voltou a se misturar às pessoas da festa, perdendo-se de vista. De repente, tudo começou a rodar na cabeça de Bruna. Sentia-se enjoada, tonta, suava frio. Tentou pedir ajuda, agarrando-se ao braço de um de seus amigos, mas eles estavam bêbados demais para entender que ela estava mesmo mal. Riam e caíam uns por cima dos outros, virando o resto da cerveja e dos drinques na boca.

Com dificuldade, levantou-se da onde estava sentada e, escorando-se na parede, tentou chegar ao banheiro. Ninguém tentou ajudá-la, pois todos já estavam acostumados com cenas como aquela na boate. Finalmente passou pelas portas do banheiro. Esbarrou com uma garota que ia saindo, e com o encontro acabou caindo no chão.

– Vê por onde anda. Aliás, por onde cai. – e a garota começou a rir, saindo do banheiro, ainda irritada pelo esbarrão.

A morena não deu atenção, sentiu que ia vomitar. Arrastou-se até o boxe mais próximo, agarrando-se à privada. O corpo começou a convulsionar e o vômito veio. Depois, encostou a cabeça na parede, fechou os olhos por um instante, abrindo-os logo depois. Seu corpo estava adormecido. Sentiu que ia vomitar novamente e voltou-se para a privada. Ficou com um gosto ruim na boca, passou as costas da mão nos lábios.

Encostou-se novamente à parede, sentindo-se leve. Tudo rodava, de repente sentiu-se extremamente cansada. Desejou que tudo aquilo acabasse logo. Ouviu o barulho de alguém entrando no banheiro e pensou que fosse algum segurança para tirá-la dali. Qual não foi a sua surpresa ao ver Carla parada ali, à sua frente.

A loira encarava-a, mas nada dizia. Ajoelhou-se ao lado de Bruna, olhando-a nos olhos. O decote grande do vestido deixou à mostra uma parte do seio da loira. Bruna não agüentou e começou a beijar os lábios da outra, cada vez com mais desejo. No começo, Carla resistiu, mas depois foi se deixando levar pelos beijos ardentes e pelas mãos atrevidas da morena.

Quando as mãos dela começaram a forçar passagem por entre as pernas da loira, Carla rapidamente perdeu todo o ritmo. Afastou Bruna, mas esta ainda resistia, tentando beijá-la e acariciá-la. A outra a empurrou com força, afastando-se enquanto gritava:

– Não! – isso fez com que Bruna ficasse quieta, mas abriu um sorriso.

– Eu sei que você quer... Você sempre me quer.

– Não. – foi tudo o que Carla disse.

Ajoelhou-se, mudou de posição, encostando-se na parede oposta à Bruna, podendo assim olhá-la nos olhos. Juntou as pernas colocando-as coladas ao corpo. Não disse nada. Estava farta de falar, elas eram sempre cheias de palavras bonitas, para impressionar, para chocar, mas dessa vez, o silêncio falaria por ela.

Bruna ficou triste de repente. As lágrimas começaram a aflorar em seus olhos e foi como se ficasse subitamente sóbria. Lúcida. Começou a falar, devagar:

– Eu sou uma idiota, não sou? – olhou dentro dos olhos azuis e continuou a falar:

– Não adianta mentir para você, porque você sabe, sempre soube. Eu sou uma merda, estou sempre perdida. Fazendo tudo errado o tempo todo. Eu tento fazer certo, mas então algo dentro da minha mente insana me faz parar de pensar e eu simplesmente volto a errar. Foi por isso que desistiu de mim, certo? Porque eu sou essa aberração ambulante que não faz nada certo. Porque eu só bagunço com a vida de todo mundo, distorço a verdade, falo o que não devo. Porque eu sou essa confusão sem tamanho.

A loira continuou calada, com uma expressão triste no rosto. Aproximou-se um pouco, estendendo os braços e puxou Bruna pra perto dela. Fez com que a morena deitasse em seu colo, acariciando os cabelos dela. Sussurrou baixinho:

– Minha criança, eu estarei aqui por você, sempre. Não importa o quanto você erre, mesmo que eu não possa estar aqui com você, sempre cuidarei de você, aonde quer que eu esteja. Você sou eu, e eu sou você. Você é minha, e eu sou sua. Você erra, eu erro. E se você acredita, eu acredito. Eternamente.

Quando acordou, Bruna estava sozinha, no chão frio do banheiro daquela boate. Havia algumas pessoas em volta, preocupadas com ela. Não sabia quanto tempo ficara desacordada, ou se dormira. Não sabia se fora um sonho ou se tinha imaginado que Carla esteve com ela. Mas tinha uma certeza: não iria desistir.

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