Conto - Loucas (In)Decentes



Conto - Loucas (In)Decentes

— AHHHHHHHHHH!

— O que houve? Um ladrão? Um bicho? Um assassinato? A Angelina Jolie pelada gritando vem “nimim”? – levantei-me de um pulo ao ouvir o grito.

— Que nojo! Que horror! Céus! Que bicho estranho eu virei?! Ah minha unha! Meu cabelo! – ela se olhava, pondo as mãos nos cabelos loiros, e agora sujos.

— Que susto da porra! Você tá louca mulher? – coloquei a mão no coração. – Quase tive um enfarte!

— Sai daqui! Sai de perto de mim! Que horror! Olha isso! – a mulher estava descontrolada meu!

            Enquanto ela continuava pirando, comecei a me recordar da noite anterior... Olhei-a novamente e não agüentei, caí na gargalhada. Ela me olhava com uma cara entre o espanto e o terror, sem saber exatamente se saía correndo ou se me batia. Mas o que eu podia fazer? Ela colocou a mão na cabeça, sentindo-se tonta, provavelmente estava de ressaca da noite passada.

— Você vai ficar aí parada, sem fazer nada? – perguntou-me em uma voz fina.

— E o que eu queria que eu fizesse? Você deu pra mim ontem à noite e agora fica aí entrando em parafuso?

— O quê?! Está louca? Eu nunca transaria com uma desclassificada como você e... – seus olhos se arregalaram e ela parou de falar.

— Lembrou, gatinha? Ou seria... “Loira gelada?” – comecei a gargalhar.

— Não... Eu... Espera... – ela abriu e fechou a boca várias vezes, então eu disse:

— Vou refrescar sua memória...
 
            Sempre gostei de sair quase todos os dias da semana, mas fazendo faculdade, era praticamente impossível conciliar estudos e cervejas, por isso resolvi sair naquele fim de semana. A idiota da Lúcia não quis ir comigo e a chatinha da Maricota quis ficar com o namorado, então eu fui sozinha. Ironicamente, o nome do bar era “Túnel do Tempo” e só estava tocando rocks nacionais dos anos 80. Beleza, sempre gostei de rock mesmo.

            Depois de mais de meia hora da minha mãe me dando um sermão por sair de casa vestida como um mendigo, nas palavras dela, o que eu totalmente discordo, já que só estava de calça jeans rasgada, camiseta preta, all-star sujo e o cabelo despenteado, cheguei ao meu tão esperado destino! Já na porta encontrei uns conhecidos, logo me enturmei com os amigos deles e consegui entrar no bar de graça, ô beleza!

            O bar estava lotado, muita gente dançando, bebendo, o local escuro, aquela vibe louca, sacou? Já fui entrando e mexendo os ombros e o quadril de um lado para o outro. Não se engane com meu look, posso ser uma dançarina nata! Fui até o bar e pedi um copo de cerveja, só pra esquentar. O barman colocou o copo enorme no balcão, e virei o primeiro de um gole, eita coisa boa! Pedi mais um e esse eu fui tomando devagar, sondando o local. Eu estava na seca, e uma gatinha pra azarar não seria uma má idéia.

            Saca só aquela mulher dançando! É, aquela de vestido preto e curto, cabelos loiros e compridos, e sorriso fácil. Meu Deus! Ai se ela me desse mole! Continuei onde estava, só bebericando minha cerveja e comecei a dar uma olhada na decoração, quando senti um olhar insistente sobre a minha pessoa. Quando olhei, assustei-me com o par de olhos azuis a me confrontar. Sorri para ela, fazendo um movimento lateral com a cabeça, mas ela deu uma risadinha e virou para o outro lado, deixei para lá.

            De vez em quando, seus olhos cruzavam com os meus, ela mordiscava o lábio inferior, e piscava pra mim. Dançava até o chão, rebolando e me enlouquecendo, né? O que ela queria? Que eu fosse rastejar até ela? Nunca! Nem vem! Ah! Droga, pois ela conseguiu. Já tinha deixado minha cerveja no balcão e andava até onde ela estava. Ela passou a mão nos cabelos, os jogando para trás e lambeu os lábios, dando uma risada gostosa. Começou a dançar de frente para mim, mexendo a cintura de um lado para o outro, mostrando as belas e bem torneadas pernas, os delicados pés em um salto alto.

            Aproximei-me do seu ouvido, dizendo:

— E aí gatinha, se eu me afogar na sua beleza tenho direito a respiração boca a boca?

— Que cantada mais sem noção! – ela começou a rir, balançando a cabeça negativamente. – Teve sua chance, perdeu.

            Ela se afastou de mim e eu fiquei lá, com a maior cara de idiota! Como assim, perdeu? Significa que eu tinha mesmo uma chance com aquela deusa? Ai meu deus! Espera aí que eu vou fazer de novo! Mas ela tinha sumido! Eu ia dançando e procurando ela pelo lugar, quando comecei a ouvir assobios e gritos de homens, aproximei-me. E não é que a atração que os estava enlouquecendo era ela? Eu sei, rock, mas poxa, ao som de “Puro Êxtase”, que marmanjo consegue ficar quieto com uma mulher dessas dançando? Ela me olhou, provocando. Chamou-me com o dedo indicador, depois o colocou na boca e vendo minha reação, começou a gargalhar de novo.

            Porra, aquela mina estava de zoação com a minha cara? A música trocou, e ao som de “Amante Profissional” eu fui chegando perto, passando as mãos pelo meu próprio corpo, arrumando o cabelo curto e negro até os ombros, e ela dando de ombros pra mim. Ela virou de costas, bem coladinha a mim e começou a rebolar, segurei em sua cintura, eu estava quase nas nuvens, quando ela segurou em minhas mãos, livrando-se de mim. Balançou a cabeça de um lado para o outro e desapareceu no meio da multidão novamente. Sério, eu não era de correr atrás de mulher, mas conseguir ficar com ela virou questão pessoal, desafio mesmo!  Fiquei um tempo sem vê-la novamente, já estava até descartando a possibilidade, quando a vi se encostar ao balcão do bar.

— Escolhe uma bebida aí que eu pago para você. – ela me disse, levantei uma sobrancelha, dizendo:

— Que história é essa? Nem pensar. Eu pago minhas cervejas, e você toma um drinquezinho aí. – dei de ombros.

— Acha que eu não agüento beber? – ela sorriu e eu já sabia que a noite ia ser boa.

            Ela pegou o copo de cerveja que o barman colocou na sua frente e virou de um gole só. Peguei o outro e virei também. Pedi mais dois copos, o que o barman prontamente atendeu. Eu virei primeiro, ela sorriu e virou o segundo copo. Nisso, as pessoas em volta começaram a se aproximar. Dessa vez, ela pediu. Virou o terceiro, e eu logo a acompanhei. Era questão de honra agora! Acho que viramos uns cinco copos, e então começamos a rir e não conseguimos parar mais. Ela tentou se esquivar de mim, indo para perto do palco, onde os caras pulavam e cantavam imitando Capital Inicial, ao cantar: ...complicada e perfeitinha...

            Cheguei atrás dela e juntei meu corpo ao seu, com vontade, e pude ouvir um gemido dos seus lábios. Agora sim, estava no papo! Ela ria, e ria, e concordou quando lhe sussurrei algo no ouvido. Foi andando comigo até a lateral do bar, onde havia o banheiro feminino. Encostei-a no azulejo branco e frio da parede, beijando-lhe o pescoço, me embriagando com o cheiro do seu perfume. Pela primeira vez senti o gosto adocicado daqueles lábios macios, que me beijavam com urgência.
           
            Mesmo com o som abafado, consegui perceber que a música era outra mais lenta e mais forte: “Pra Ser Sincero”, quem sabe a música perfeita. Mergulhei nos seus encantos, deixei que minhas mãos descobrissem as curvas daquele corpo perfeito, mordi seus ombros, beijei seu pescoço e depois seus seios, por cima do vestido podia ver os bicos durinhos de tesão. Sério, não faço idéia de como aconteceu, mas logo minha mão escorregou para o meio de suas pernas e eu senti a pulsação do seu sexo latejante de desejo. Seus gemidos eram abafados pela minha boca na dela.

            Suas unhas arranharam minha nuca, e eu sentia que ela estremecia de vez em quando. Ajoelhei-me no chão, mordendo a parte interna das coxas dela, enquanto ela gritava coisas desconexas para mim. Concentrei minhas forças na parte mais íntima e comecei a chupá-la, ora com força, ora mais delicada, fazendo-a gritar. Céus! Que néctar dos deuses! Senti seu corpo todo sucumbir após sacudir em minha boca. Voltei a ficar de pé e colar minha boca na dela. E esta, mole, sorria para mim, arranhando meu pescoço. Ouvimos alguém apertando a descarga, pronto para sair da cabine. Ela, assustada, saiu correndo para dentro do bar novamente e eu a perdi momentaneamente.

            Relaxada, voltei para o balcão e tomei mais um copo de cerveja. Aonde raios aquela mulher se metera?! Não acreditei, quando a vi junto com um desgraçado de um homem, se esfregando nele! Mais que puta! (desculpem-me o palavreado, mas eu estava bêbada e nunca fui boca limpa mesmo...) Fui até ela e puxei-a pelo braço, dizendo:

— Esse cara está te incomodando?

— Ei me larga! Ele está só dançando comigo! – ela tentou se soltar de mim.

— Que é isso? A mulher macho quer dar uma de valentão, é?

            Já não calculando bem das idéias, dei um empurrão no cara, que não caiu no chão, mas jogou uma cadeira em cima de mim e ficou descontrolado! Sem saber o que fazer, enquanto eu tentava me proteger da melhor forma, a mulher deu um chute no pé dele, e depois uma joelhada no saco, e me puxou, para sair correndo dali. Chegamos à rua, antes que os guardas nos pegassem. Corremos por dois quarteirões e viramos em uma esquina. Olhamos uma para a cara da outra e começamos a rir.

— Você é louca, querendo arrumar confusão com aquele grandalhão!

— Ora, eu não ia deixar que ele ficasse com você. – respondi, sorrindo.

— Idiota! – ela encostou a cabeça no meu ombro.

            Andamos mais algumas ruas e vimos uma loja aberta, de tatuagem. Ela puxou-me para dentro.

— Quero algo para me lembrar dessa noite. – pois a mão na cabeça, sentindo-se tonta. Segurei em seu braço e ela logo fez sinal que estava bem.

            O cara da loja, sem perguntar, fez duas tatuagens naquela noite. Uma no braço dela, e uma no meu. Dois copos de cerveja, cruzados. Saímos felizes, da loja, e continuamos andando até achar outro bar que atendesse a duas bêbadas. Viramos em uma rua, era um beco sem saída. A loura encurralou-me na parede e começou a me beijar e quando eu vi, ela me comia! Sério, nunca deixei que mulheres me comessem, mas ela conseguiu! Gemi no seu ouvido, puxei seus cabelos, mordi seus ombros, me esfreguei em suas pernas. E quando não agüentávamos mais de cansaço, deitamos exaustas ali mesmo, no chão sujo perto da caçamba de lixo.

— Meu Deus do céu! – ela abriu a boca, voltando ao presente.

— Ai. – coloquei a mão na minha própria cabeça. – Pelo menos foi isso que eu me lembro.

— Achei! São aquelas duas loucas ali que acabaram com meu bar! – um cara gritou, aparecendo na nossa frente.

— E ainda estão seminuas no meio da rua? As duas senhoritas vão se explicar na delegacia. – o policial, com o cassetete na mão, começou a me empurrar para a rua.

— Ei, tira a mão de mim! Não me toca! Quem acha que é? – ela protestava, tentando se soltar das mãos do policial.

— Cala a boca, sua louca! – eu gritava. — Ainda quer ser acusada de desacato à autoridade? – ela pareceu ficar quieta por um segundo.

            O guarda enfiou-me dentro da viatura, e colocou-a ao meu lado. Entrou no carro e tocou para a delegacia. Ela, com cara de emburrada, toda bravinha, bufava, quase à beira do choro.

— Não fica assim, gatinha. A gente vai ser liberada.

— Eu te odeio, te odeio, te odeio! Olha só como eu estou! – ela colocou ambas as mãos na cabeça.

— Falar nisso, eu nem sei seu nome. – sorri para ela, toda calma.

— Você é inacreditável! – do choro ao riso, me deu um soco no ombro. – Marcela.

— Bruna, prazer. – apertei-lhe a mão sorrindo. – Isso me lembra uma música...

— Qual? – ela perguntou já descontraída e mais calma.

— Acho que a ouvimos ontem, do RPM... “Agora eu sei passei por cada papel e rastejei, tentando entrar no seu céu. Agora eu sei, sei, sei, passei por cada papel, me embriaguei e acordei num bordel...”

            Ela começou a rir, um riso gostoso, e eu olhei para ela e me apaixonei. Seu cabelo todo desarrumado, o rosto sujo, uma unha quebrada, o batom borrado, os olhos com olheiras, o vestido rasgado. E achei que ela era a mulher mais linda que eu já tinha visto. De repente seu riso aumentou e ela olhou para o meu braço, lembrando-se da tatuagem.

— Puta que pariu, nós somos duas loucas! – sorri e respondi-lhe cantando:

“Loiras geladas vem me consolar...”

            Sorriu maliciosamente, seus olhos se encontraram com os meus, e eu tive a mesma sensação de quando a vi pela primeira vez. Ela se aproximou de mim, e quando seus lábios iam se juntar com os meus, ouvimos o policial comentar:

— Legal o bar onde estavam. Não se fazem mais rocks nacionais como antigamente... As músicas eram tão boas e decentes... – nós nos entreolhamos e começamos a rir.

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